INTERSEÇÕES ENTRE RACISMO ALGORÍTMICO, RECONHECIMENTO FACIAL E SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL

Palavras-chave: Racismo algorítmico, reconhecimento facial, segurança pública, racismo estrutural, injustiça racial

Resumo

RESUMO:Na trilha das problematizações sobre o uso ético de ferramentas tecnológicas, o presente artigo explora a problemática do racismo em sua dimensão algorítmica, buscando demonstrar a sua manifestação no âmbito da segurança pública a partir do específico caso da instrumentalização do reconhecimento facial. Nesse sentido, ao se analisar as tendências do racismo algorítmico no uso de tecnologias, demonstra-se como esses sistemas podem vir a perpetuar preconceitos raciais no aparato de controle no contexto brasileiro. De modo mais detido, avalia-se o funcionamento e a aplicação das tecnologias almejando compreender como elas são utilizadas em investigações criminais, no monitoramento urbano e em políticas de segurança. Para tanto, mediante revisão bibliográfica de referencial teórico pautado em estudos sobre controvérsias multisetoriais na regulação da inteligência artificial – envolvendo especialmente algoritmos, discriminação e gestão de políticas públicas –, a nível nacional e internacional, a investigação sustenta que a adoção acrítica (pretensamente neutra) de tecnologias de reconhecimento facial como estratégia de segurança pública, a considerar o racismo estrutural condicionante, dá margem e possibilita que vieses cognitivos sejam reproduzidos e, em última análise, a injustiça racial seja perpetuada.   

 

ABSTRACT: In the wake of discussions about the ethical use of technological tools, this article explores the issue of racism in its algorithmic dimension, aiming to demonstrate its manifestation in the realm of public security, specifically focusing on the instrumentalization of facial recognition. In this sense, by analyzing the trends of algorithmic racism in the use of technologies, it is shown how these systems may perpetuate racial biases in the control apparatus within the Brazilian context. In a more detailed manner, the functioning and application of technologies are assessed with the aim of understanding how they are used in criminal investigations, urban monitoring, and security policies. To do so, through a bibliographic review of a theoretical framework based on studies of multisectoral controversies in the regulation of artificial intelligence – especially involving algorithms, discrimination, and public policy management –, both nationally and internationally, the research argues that the uncritical (supposedly neutral) adoption of facial recognition technologies as a strategy for public security, considering the conditioning structural racism, provides room for and enables cognitive biases to be reproduced, ultimately perpetuating racial injustice.

Biografia do Autor

Jéssica Pérola Melo Coimbra , cesupa

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário do Pará (CESUPA).

Adrian Barbosa e Silva

Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) com período sanduíche (bolsa PDSE/CAPES) no Dipartimento di Scienze Giuridiche da Università di Bologna (UNIBO, Itália).

Liliane Correia Moraes

Graduanda em Direito pelo Centro Universitário do Pará (CESUPA).

Referências

ALMEIDA, Sílvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo: Jandaíra, 2020.
AMARAL, Augusto Jobim do; MARTINS, Fernanda; ELESBÃO, Ana Clara. Racismo algorítmico: uma análise da branquitude nos bancos de imagens digitais. Pensar, Fortaleza, v. 26, n. 4, p. 1-9, out.-dez., 2021.
BAROCAS, Solon; SELBST, Andrew D. Big Data’s Disparate Impact. California Law Review, v. 104, p. 671-732, 2016.
BENTO, Cida. O pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.
BETHENCOURT, Francisco. Racismos: das Cruzadas ao século XX. Trad. Luís Oliveira Santos e João Quina Edições. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
BONA, Celito de; SCHONS, Eduarda Arruda; LOPES-FLOIS, Luiza. Inteligências artificiais: existe ética na implementação de algoritmos? Ciências Sociais Aplicadas em Revista, Marechal Cândido Rondon, v. 25, n. 45, p. 225-246, 2023.
CAMPANELLA, Gabriel Díaz. Nina da Hora: “La tecnología refuerza el problema de racismo estructural en Brasil”. El País, Montevideo, 24 mar. 2023 (Disponível em: https://elpais.com/america-futura/2023-03-24/nina-da-hora-la-tecnologia-refuerza-el-problema-de-racismo-estructural-de-brasil.html. Acesso em: 12 nov. 2023).
CARDOZO, Glenda Dantas. A atuação estratégica de mulheres negras no combate às brechas digitais de gênero e raça. Internet & Sociedade, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 5-19, dez. 2022.
CARNEIRO, Sueli. Gênero, raça e ascensão social. Estudos Feministas, Florianópolis, ano 3, n. 2, 2º sem., p. 544-552, 1995.
CARVALHO, Salo de. O encarceramento seletivo da juventude negra brasileira: a decisiva contribuição do poder judiciário. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 67, p. 623-652, jul.-dez., 2015.
COPELAND, Michael. What’s the difference between artificial intelligence, machine learning, and deep learning? NVIDIA, July 29, 2016. Disponível em: https://blogs.nvidia.com/blog/2016/07/29/whats-difference-artificial-intelligence-machine-learning-deep-learning-ai/. Acesso em: 07 set. 2023.
COSTA, Diego Carneiro. A discriminação algorítmica e as novas perspectivas sobre o tratamento de dados pessoais sensíveis. In: REQUIÃO, Maurício (org.). Proteção de dados pessoais: novas perspectivas. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2021.
DE BIASE, Luca. Il rischio di una deriva razzista nel riconoscimento facciale. Futura Network, 22 giu. 2020 (Disponível em: https://futuranetwork.eu/ai-e-rapporto-uomo-macchina/686-2169/il-rischio-di-una-deriva-razzista-nel-riconoscimento-facciale. Acesso em: 12 nov. 2023).
DE GIORGI, Alessandro. Il razzismo strutturale e “colorblind” degli Stati Uniti d’America (intervista a cura di Orsola Casagrande). 14º Rapporto Diritti Globali: fortezza Europa, polveriera mondo. Roma: Edisse, 2016.
DI STAZIO, Cristina. Quanto è razzista il riconoscimento facciale e perché: gli studi e le prime leggi (Usa) che lo vietano. Network Digital 360, [online], 02 mar. 2021 (Disponível em: https://www.agendadigitale.eu/cultura-digitale/quanto-e-razzista-il-riconoscimento-facciale-e-perche-gli-studi-e-le-prime-leggi-usa-che-lo-vietano/. Acesso em: 12 nov. 2023).
DIJK, Teun A. Van. Discurso e poder. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008.
FERNANDES, Florestan. Prefácio à edição brasileira. In: NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. 3. ed. São Paulo: Perspectivas, 2016.
FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Corpo negro caído no chão: o sistema penal e o projeto genocida do Estado brasileiro. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2006.
FRANÇA NETTO, Milton Pereira de; EHRHARDT JÚNIOR, Marcos. Os riscos da discriminação algorítmica na utilização de aplicações de inteligência artificial no cenário brasileiro. Revista Jurídica Luso-Brasileira, Lisboa, a. 8, n. 3, p. 1271-1318, 2022.
FRAZÃO, Ana. Discriminação algorítmica: por que os algoritmos preocupam quando acertam e quando erram? Jota, ago. 2021. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/discriminacao-algoritmica-por-que-algoritmos-preocupam-quando-acertam-e-erram-04082021. Acesso em: 07 set. 2023.
GOOGLE. O que é Big Data? [online], s/n. Disponível em: https://cloud.google.com/learn/what-is-big-data?hl=pt-br. Acesso em: 14 nov. 2023.
HASENBALG, Carlos. Raça, classe e mobilidade. In: GONZALEZ, Lélia; HASENBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Zahar, 2022.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Trimestral: Brasil – a inserção da população negra no mercado de trabalho. Brasil: IBGE, 2023. Disponível em: https://www.dieese.org.br/infografico/2022/populacaoNegra2022/index.html?page=1. Acesso em: 25 de out. 2023.
LIMA, Bruna Dias Fernandes. Racismo algorítmico: o enviesamento tecnológico e o impacto aos direitos fundamentais no Brasil. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, 2022.
LOPES, Fernanda Abdala Candido; FURTADO, Isabela Tonon; NETO JÚNIOR, Jairo Lemos. Seletividade penal na era tecnológica: o reconhecimento facial como instrumento de reforço do estigma de criminoso. In: ARGUELLO, Katia Silene Cárceres (coord.). Criminologias e políticas criminais: letalidades no sistema penal. Curitiba: Íthala, 2021.
LÖWY, Michael. As aventuras de Karl Marx contra o barão de Münchhausen: marxismo e positivismo na sociologia do conhecimento. 10. ed. Trad. Juarez Guimarães & Suzzane Felicie Léwy. São Paulo: Cortez, 2013.
MELO, Paulo Victor; SERRA, Paulo. Tecnologia de reconhecimento facial e segurança pública nas capitais brasileiras: apontamentos e problematizações. Comunicação e Sociedade, [online], v. 42, p. 205-220, 2022.
MORAIS, Rômulo Fonseca. O extermínio da juventude negra: uma análise sobre os “discursos que matam”. Rio de Janeiro: Revan, 2019.
MOURA, Clóvis. Quilombos: resistência ao escravismo. 5. ed. São Paulo: Ática, 2016.
NASCIMENTO, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. 3. Ed. São Paulo: Perspectivas, 2016.
NUNES, Pablo; LIMA, Thallita G.L; RODRIGUES, Yasmin. Das planícies ao planalto: como Goias influenciou a expansão do reconhecimento facial na segurança pública brasileira. Rio de Janeiro: CESeC, 2023.
NUNES, Pablo. Exclusivo: levantamento revela que 90,5% dos presos por monitoramento facial no Brasil são negros. The Intercept Brasil, 21 nov. 2019a (Disponível em: https://www.intercept.com.br/2019/11/21/presos-monitoramento-facial-brasil-negros/. Acesso em: 11 nov. 2023).
NUNES, Pablo. Novas ferramentas, velhas práticas: reconhecimento facial e policiamento no Brasil. Retratos da violência: cinco meses de monitoramento, análise e descobertas (Rede de Observatório de Segurança), 2019b.
NUNES, Pablo. Prever crimes, a que custo? (El País). O panóptico. Disponível em: https://opanoptico.com.br/prever-crimes-a-que-custo-el-pais/. Acesso em: 15 nov. 2023.
O’NEIL, Cathy. Algoritmos de destruição em massa: como o big data aumenta a desigualdade e ameaça a democracia. Trad. Rafael Abraham. Santo André: Rua do Sabão, 2020.
O’NEIL, Cathy. Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. Nova York: Crown, 2016.
ONU – Organização das Nações Unidas. Pesquisa identifica 111 projetos de inteligência artificial no Judiciário, [online], 29 jun., 2022 (Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/188306-pesquisa-identifica-111-projetos-de-inteligência-artificial-no-judiciário. Acesso em: 18 out. 2023).
ORMEROD, Alex González. How AI reinforces racism in Brazil. Rest of World: Reporting Global Tech Stories, 22 Apr. 2022 (Disponível em: https://restofworld.org/2022/how-ai-reinforces-racism-in-brazil/. Acesso em: 12 nov. 2023).
ROCHA, Jannotti da; PORTO, Lorena Vasconcelos; ABAURRE, Helena Emerick. Discriminação algorítmica no trabalho digital. Revista de Direitos Humanos e Desenvolvimento Social, Campinas, v. 1, p. 1-21, 2020.
ROLA, Eulálio do Carmo da Silva. Os principais contributos da inteligência artificial para o processamento de imagens digitais a utilizar na segurança pública. Dissertação (Mestrado em Segurança e Justiça) – Universidade Lusíada, Lisboa, 2022.
SANTOS, Hélio. A busca de um caminho para o Brasil: a trilha do círculo vicioso. 2 ed. São Paulo: Editora Senac, 2011.
SCHUCMAN, Lia Vainer. Racismo e antirracismo: a categoria raça em questão. Revista Psicologia Política, Florianópolis, v. 10, n. 19, p. 41-55, jan., 2010.
SILVA, Rosane Leal da; SILVA, Fernanda dos Santos Rodrigues da. Reconhecimento facial e segurança pública: os perigos do uso da tecnologia no sistema penal seletivo brasileiro. Anais do 5º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade: mídias e direitos da sociedade em rede, Santa Maria, p. 1-18, 2019.
SILVA, Tarcízio. Racismo algorítmico em plataformas digitais: microagressões e discriminação em código. In: SILVA, Tarcízio (org.). Comunidades, algoritmos e ativismo digitais: olhares afrodiaspóricos. São Paulo: LiteraRUA, 2021.
SILVA, Tarcízio. Racismo algorítmico: inteligência artificial e discriminação nas redes digitais. São Paulo: Edições Sesc, 2022.
SILVA, Tarcízio. Visão computacional e racismo algorítmico: branquitude e opacidade no aprendizado de máquina. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), Curitiba, v. 12, p. 428-448, dez. 2019/fev. 2020.
SILVEIRA, Éder. A cura da raça: eugenia e higienismo no discurso médico sul rio-grandense nas primeiras décadas do século XX. Porto Alegre: Ed. da UFCSPA, 2016.
SOARES, Marcelo Negri et al. Inteligência artificial e discriminação: um panorama sobre a antagonização entre exclusão e o Estado Democrático de Direito Brasileiro à luz dos direitos da personalidade. Revista Direitos Sociais e Políticas Públicas (UNIFAFIBE), Bebedouro, v. 10, n. 2, p. 567-597, 2022.
TAUTE, Fabian. Reconhecimento facial e suas controvérsias. Heinrich Böll Stiftung, Rio de Janeiro, 7 fev. 2020 (Disponível em: https://br.boell.org/pt-br/2020/02/05/reconhecimento-facial-e-suas-controversias. Acesso em: 07 set. 2023).
ZALNIERIUTE, Monika; CUTTS, Tatiana. How AI and new technologies reinforce systemic racism. 54th Session of the United Nations Human Rights Council, United Nations Office at Geneva, Geneva, 3rd oct. 2022 (Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/documents/hrbodies/hrcouncil/advisorycommittee/study-advancement-racial-justice/2022-10-26/HRC-Adv-comm-Racial-Justice-zalnieriute-cutts.pdf. Acesso em: 12 nov. 2023).
Publicado
2023-12-21
Como Citar
Jéssica Pérola Melo Coimbra, Barbosa e Silva, A., & Correia Moraes, L. (2023). INTERSEÇÕES ENTRE RACISMO ALGORÍTMICO, RECONHECIMENTO FACIAL E SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL. Revista Jurídica Do Cesupa, 4(2), 136-160. Recuperado de http://periodicos.cesupa.br/index.php/RJCESUPA/article/view/225