A DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA E A RESSIGNIFICAÇÃO DE UM SISTEMA FORMALISTA PELA AUTOCOMPOSIÇÃO:
(im) possibilidade?
Resumo
A redemocratização do Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, trouxe avanços tangíveis nas mais diversas áreas, contudo, ao que se refere aos mecanismos para acesso à justiça, vislumbra-se, majoritariamente, a pouca expressividade da presença cidadã nos instrumentos voltados à resolução dos conflitos jurídicos. Este panorama sofre modificações com o advento da política judiciária para o tratamento adequado dos conflitos de interesse, inserindo a autocomposição na via jurisdicional e prevendo espaços de maior liberdade participativa aos jurisdicionados. A presente pesquisa objetiva examinar a autocomposição de conflitos como prática propícia à autonomia, descentralização e democratização do acesso à justiça na seara judicial, apesar da incidência do poder simbólico, intrínseco, historicamente, neste meio. Nessa compreensão, questiona-se: apesar do formalismo jurisdicional e de sua simbologia, é possível efetivar a democratização do acesso à justiça pelo desenvolvimento de práticas autocompositivas em âmbito judicial? Utiliza-se o método de abordagem dedutivo, realizando-se a coleta de dados por meios de fontes primárias e fontes secundárias (pesquisa documental e pesquisa bibliográfica). A conclusão aponta a existências de obstáculos de ordem formal, burocrática e simbólica que tendem a mitigar a prática genuína das formas consensuais de solução de conflitos em campo judicial, limitando as benesses próprias da autocomposição, enquanto mecanismo eficaz para alcance de um acesso à justiça qualitativo.
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